Um Entendimento dos Tempos
V. 1 – Se o servo do Senhor pretende trabalhar com
eficiência em Seu serviço, ele precisa primeiro ter um entendiemento dos tempos. As palavras, “o Espírito
expressamente diz” reflete a importância disso. Paulo, portanto, começa com
esse ponto. Nós precisamos saber onde nós estamos na história do testemunho Cristão
para que possamos servir ao Senhor adequadamente nos nossos dias. Deveria ser
claro para todos nós que não estamos vivendo em tempos apostólicos, nem
estamos vivendo numa época de grande avivamento. Pelo contrário, nós estamos no
final da história da Igreja na Terra – numa época em que há um grande abandono,
confusão, e indiferença às reivindicações de Cristo na Cristandade. Triste
dizer, muito daquilo que é considerado Cristianismo atualmente é quase
irreconhecível quando lemos as Escrituras.
Esse abandono da ordem de Deus na casa de Deus é uma
consequência da apostasia. Apostasia é a renúncia formal das verdades
primordiais da fé, outrora defendida e professada. Somente um Cristão meramente
professo “abandonaria” a fé dessa maneira (Hb 6:6; 2 Ts 2:3). Verdadeiros
crentes, no entanto, podem ser afetados pela atual apostasia e renunciar a
determinados princípios e práticas bíblicas. Eles podem retroceder e “cair”
da graça (Gl 5:4) e da sua firmeza no Senhor (2 Pe 3:17), mas eles não
apostatam (2 Ts 2:3; Hb 6:6 – “recaíram”). Portanto, eles podem “cair”,
mas eles não “abandonam”.
A apostasia na Cristandade começou muito cedo na
história da Igreja, e progressivamente se intensificou. Ela chegará ao seu
ponto culminante depois que a Igreja for
chamada ao céu, quando da revelação do anticristo (“o homem do pecado”)
que irá guiar a Cristandade para longe de Cristo em uma apostasia generalizada
(2 Ts 2:3). Um avanço nesse movimento de queda em direção ao fim pode ser traçado
nas epístolas nas seguintes expressões:
- “Nos últimos tempos” (1 Tm 4:1) – Alguns indivíduos na Cristandade apostatam da fé.
- “Nos últimos dias” (2 Tm 3:1; 2 Pe 3:3) – A massa da Cristandade os seguem.
- “No último tempo” (Jd 18) – A apostasia se torna mais intensa e aberta.
- “A última hora” (1 Jo 2:18) – A apostasia é tão completa que todo ensino Cristão ortodoxo dado pelos apóstolos é abandonado.
Paulo não perde tempo em contar a Timóteo sobre esse
desvio descendente na profissão Cristã, dizendo, “Nos últimos tempos
apostatarão alguns da fé”. Esse afastamento da verdade ocorre em
consequência dos homens (apenas professos, sem vida divina) ligados ao
testemunho exterior do Cristianismo se tornarem apostatas, e assim levarem
outros pelo mesmo caminho. O que começa com “alguns” se desviando (1 Tm
1:3; 4:1; 2 Tm 2:18) evolui para “muitos” (2 Pe 2:2), até que “todos” (em determinadas regiões) se
afastem (2 Tm 1:15).
Apostasia envolve não apenas o abandono da verdade,
mas também a adoção do erro. Então, Paulo continua dizendo, “Dando ouvidos a
espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios”. Isso mostra que não
existe algo como um vácuo nas coisas de Deus; se a verdade não preenche nosso
coração, outras coisas irão ocupar esse vazio. Nesse caso, serão as doutrinas
de demônios. Repare como isso começa: primeiro, é “dando atenção” a
esses erros (v. 1), depois isso sai de suas bocas como “hipocrisia de homens
que falam mentiras” (v. 2). Isso mostra que más doutrinas mantidas na mente
acabarão se tornando más doutrinas propostas. Essa é a diferença entre lepra
espiritual “na cabeça” e lepra espiritual “na barba”. É
significativo que seja mencionado como sendo primeiro na cabeça, e depois na
barba (Lv 13:29).
Essas doutrinas, ensinadas por demônios, são
verbalizadas por meio de agentes humanos. “Espíritos enganadores”
influenciam a mente desses homens e eles acolhem ideias corrompidas e distorcidas.
Esses homens organizam essas ideias em um sistema doutrinário e as apresentam
às suas audiências incautas que as absorvem. Assim, a apostasia está se
disseminando na Cristandade até que sua totalidade seja levedada pelo erro (Mt
13:33). Que demônios seriam encontrados na casa de Deus influenciando a mente
de homens é bastante assustador, mas isso demonstra a grandiosidade dessa
ruína.
É significativo que, na Escritura, quando ensinos
errados são mencionados geralmente é no plural (“doutrinas”). Em
contrapartida, quando a verdade é mencionada, é no singular (“doutrina”
– cap. 4:6, 13; 5:17; 6:3, etc.). Isso mostra que más doutrinas raramente andam
sozinhas; elas têm seus comparsas. Uma má doutrina dará origem a outra até que
se tornem um complexo sistema de erro. Isso significa que se obtivermos algum aspecto errado da verdade, o erro se
misturará e isso afetará outras partes do nosso entendimento. A verdade, por
outro lado, é mencionada no singular porque ela deve ser tomada como um todo
harmonioso que flui em conjunto. Por isso, nós temos que interpretar cada passagem
específica da Escritura à luz de todas as outras passagens da Escritura.
V. 2 – Paulo fala desses ensinos errados como “mentiras
de hipocrisia”. Isso nos mostra que aqueles que promovem um sistema de erro
geralmente não praticam aquilo que ensinam. Ele acrescenta, “tendo
cauterizada a sua própria consciência”. Isso quer dizer que eles não
chegaram a esse ponto sem serem previamente alertados. O Espírito de Deus
sempre vai levantar uma voz contra a onda de mau ensino à medida em que ela
surgir, e alguns do povo de Deus falarão contra isso. Mas quando tais advertências
são rejeitadas, a consciência se torna endurecida (“cauterizada”).
Vs. 3-5 – Paulo
não entra em detalhes sobre os erros doutrinários, mas chama atenção para seu
efeito de levar as pessoas a negarem as demandas do Deus Salvador e do Deus
Criador. Ele não queria que Timóteo perdesse seu tempo tentando entender os
detalhes daqueles erros doutrinários, mas que combatesse essas coisas falsas
ensinando a verdade (v. 6). Isso é instrutivo para nós, porque alguns acreditam
que é necessário investigar os vários erros na Cristandade a fim de serem
capazes de refutá-los. Mas isso não é sensato. Há um perigo de ser enredado
nesses erros (Dt 12:29-32). Se ocupar com o erro pode levar uma pessoa ao erro.
Há uma característica que está frequentemente
associada a esses falsos sistemas de ensino – eles incorporam princípios
ascéticos para dar ao sistema uma aparência de grande piedade. Ascetismo é a
negação de determinadas coisas naturais que Deus deu ao homem como uma misericórdia
num esforço para alcançar uma pretensa santidade mais elevada. É uma tentativa
de refrear a carne lutando contra a carne, mas isso nunca cumpre o que promete.
Isso leva a carne a se manifestar de um jeito frequentemente pior do que antes;
esse não é o caminho de Deus para a santidade. Indivíduos “simples [inocentes – (TB)]”, com
pouco entendimento em coisas divinas, frequentemente ficam impressionados por uma
aparência de grande santidade, e aceitam essas doutrinas e práticas más, acreditando
que alcançarão uma experiência mais elevada com Deus (Rm 16:18).
Como Paulo observa, essas restrições estão geralmente
no âmbito do casamento e da comida, que “Deus criou para os fiéis, e para os
que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças”. O
sistema Católico Romano, por exemplo, negou aos seus seguidores essas duas
coisas, ao impor uma abstinência de carne nas sextas-feiras e o celibato aos
seus clérigos e freiras. No entanto, proibir essas coisas dadas por Deus é
negar ao Deus Criador Seus direitos de conceder essas misericórdias às Suas
criaturas.
Enquanto que a falsa piedade nega coisas naturais às
pessoas, a verdadeira piedade aproveita das misericórdias que Deus proveu no
caminho da fé, sabendo que essas coisas “pela palavra de Deus e pela oração
são santificadas [se dirigindo a
Ele livremente – JND]”. Isso não significa que nossa oração
antes das refeições “abençoa” misticamente a comida que estamos prestes a
comer, mas que essas misericórdias do Criador são separadas (que é o
significado de santificação) por Deus em Sua “Palavra” para nós a fim de
desfrutarmos delas. A Palavra de Deus as santifica para o nosso uso (Gn 9:3; 1
Co 7:2-4; Hb 13:4). O fato de “oração” também ser mencionada mostra que
nós devemos usufruir dessas coisas naturais no espírito de dependência. A
Palavra de Deus regula o onde, quando e como usar dessas coisas naturais. Usufruir
dessas misericórdias fora dos parâmetros da Escritura e da dependência de Deus
pode conduzir ao pecado. Portanto, “a palavra de Deus e a oração” são
uma proteção contra os extremos em que alguns Cristãos tem ido ao usarem de sua
liberdade em relação a essas coisas naturais.
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